sábado, junho 25, 2011

O quarto de empregada

Tudo às claras, o banheiro ao lado do quatroporquatro, a máquina batendo a roupa com um ronco baixo que a embala, a empregada vendo a novela no celular. Alô... enquanto para tapar o sol das frestas, é preciso tapar os olhos mas como tapar os ouvidos para os sons que ressoam pela casa inteira? Um sino tocando, uma chamada de uma voz aguda, um comentário sobre política com uma voz agudíssima. Enquanto o telefone toca, o cheiro de carne assada invade o quarto, abre as portas e...
adormeço.
Escuto a descarga do banheiro logo ao lado, a água pingando no sanitário e todos os nossos resíduos misturando-se em vapores. Batem a porta e pergunto se podem entrar. Entre a vigilância e a dormência finjo sono profundo. Abrem a porta, portas de armários, porta da geladeira. Mais luz, mais sons, os passos firmes, pisando inteiros no chão.
eu continuo deitada.
A cozinha respira, a casa vive
e eu continuo deitada.

domingo, junho 12, 2011

Nostalgia de papel

Me dei conta - hoje - e não sei porque hoje de que adoro cartas e sinto falta delas. Sei que as últimas que escrevi foram escritas este ano. Sei quem são suas destinatárias, sei também que provavelmente noventa por cento delas não será enviada. Sempre quis saber se é possível enviar cartas sem rementente ou se isso só acontece nos romances. Mas, o que fazer? Ir nos correios e perguntar:
- Moço, posso mandar uma carta sem rementente? Sabe o que é, é uma surpresa. Nada demais. Uns dois livros e uma carta. Não tem nenhuma bomba.
Então pensei que não devo mencionar a palavra 'bomba' em locais fazem transporte de cartas e outras coisas. Provavelmente abririam a minha correspondência por considerá-la sob suspeita. E achariam livros e uma carta humilhante e patética.
Só sei escrever cartas assim: humilhantes e patéticas.
Em algum momento da minha vida, escrevi cartas de amor lindíssimas. Hoje, com sorte, escrevo e-mails de amor lindíssimos. Mas isso não prende ninguém ao meu lado e não há e-mails para escrever. Eu também costumava escrever agradecendo a presença de certas pessoas na minha vida. Mas, relendo alguma dessas cartas, percebo como são piegas, de mau gosto, sem o menor traço de refinamento. São quase cartas de um romantismo brasileiro pra lá de tardio que não tem sequer um refinamento pitoresco de um Alencar. Lamentável. A verdade por trá destas cartas era: obrigada por continuar aqui.
Curiosamente - ou não - duas das pessoas que costumavam ser destinatários frequentes destas cartas nunca enviadas, ainda são meus amigos. Ainda me consideram muito, ainda não se assustaram.
Outras dessas cartas de amizade têm como destinatário pessoas com as quais não falo mais. Talvez eu devesse queimar estas cartas mas elas são o testemunho da minha burrice. Burrice maior seria me livrar delas e esquecer. Há desilusões que não se pode esquecer e sim, internalizar e ter o cuidado extremo de não repeti-las nunca, nunca mais.
Sinto falta das cartas que não me chegam, dos e-mails que não me escrevem. Fico olhando estes papéis de fichário cheio de desenhos infantis, papéis de carta e muitos envelopes coloridos. Sinto nostalgia das cartas nunca escritas.
Quando, por um acaso escrevo uma carta, ainda uso - na maior parte das vezes, um envelope colorido. Quero deixar marcado que é minha, quero deixar rastros de cores nas gavetas, pastas, caixas alheias.
Outra coisa que me dei conta, é de que havia adquirido o costume de escrever para os outros em papel de seda, com a minha letra cursiva. Fernandinha havia me dito que a minha letra cursiva - bonita e incompreensível - serve apenas para afastar as pessoas. É assim mesmo comigo: bonito de longe. Incompreensível de perto e as pessoas desistem. Muito esforço para algo que, nem é tão importante assim.
Sinto falta das letras que não saem mais das minhas mãos e nem da minha máquina de escrever, aposentada temporariamente, acumulando poeiras, a fita sem tinta, minhas digitais impressas nas teclas.
Eu sinto falta desta proximidade distante das cartas e do afeto, mesmo do afeto velado e negado em cartas de ódio, que são cartas de pessoas que são afetadas, se importam de alguma maneira. Eu sei que parece não fazer o menor sentindo mas, no fundo, no fundo, até que faz.
Para fechar a nostalgia epistolar, uma das ridículas cartas de Fernando Pessoa. E eram todas muito ridículas mas, se não fossem, não seriam cartas de amor.

" Bom dia, Bébé: gosta de mim exactamente? Não venho do Abel, mas devia ter vindo; e, em todo o caso o Bébé tambem tem influencias no estylo do Abel. Tem influencias a distancia, mas ao collo (situação muito natural nos bébés) ainda tem mais. E o Abel tem aguardente doce, mas a bocca do Bébé é doce e talvez um pouco ardente, mas assim está bem. Gosta de mim? Porquê? Sim?
Estou doido e não posso escrever uma carta: sei apenas escrever asneiras. Se me pudesse dar um beijo, dava? Então porque não dá? Má. A verdade é que o dia de hoje se embrulhou de tal maneira, que mal tenho tempo de lhe escrever mal este pouco de tempo. Vespa.
Tenho que ir a fugir para a casa para jantar cerca das 8 e ir depois a casa d´aquelle meu amigo onde costumo jantar aos sabbados. Hoje, é ir lá um pouco á noite, depois do jantar. Fera.
E acabei, e prompto. Dá-me a boquinha para comer?
Fernando
(2/10/1929)"

terça-feira, junho 07, 2011

segunda-feira, junho 06, 2011

Ela era e é

Vez por outra se esquecia que, tinha revalorado a noção de beleza terrena a partir de uma pessoa, a partir dela. Relembrar era fácil, só olhando uma foto poderia ser levada outra vez a todas aquelas sentimentos esperimentados: felicidade, timidez, estupefação, angústia, ciúmes, dor, dor e mais dor. A beleza perfeita é sempre aquela que machuca mais porque provoca na gente o mais profundo sentimento de imperfeição, de estranheza consigo mesmo, de nunca ser o bastante, talvez só o suficiente.
Ela era linda. Ela é linda. Linda. LIN-DA! Seu nome faz a língua dar cambalhotas pela boca. O sorriso aberto, sempre fazia-me sorrir honestamente, sempre. Linked pelo cheiro. Ela era linda. Ela é linda mas hoje, eu prefiro esquecer.

terça-feira, maio 31, 2011

dor (ô)
(latim dolor, -oris)
s. f.
1. Sensação mais ou menos aguda mas que incomoda. = mal, padecimento, sofrimentobem-estar, prazer
2. Sensação emocional ou psicológica que causa sofrimento. = desgosto, mágoa, pesar

segunda-feira, maio 30, 2011

Dos blogs

O grande barato deste blog - e o motivo de eu voltar a me interessar por ele, é que ele parou no tempo. Podem ver, esta barra lateral está cheia das minhas referencias e interesses em 2009. Não faz nem tanto tempo assim, só dois anos. Em 2009, eu ainda tinha - estava desativando mas ainda tinha - fotolog. Eu estava lendo a Crítica da Razão Pura. E ainda tinha certo tempo pra ler o Lewis Carrol, assim, só porque queria.
Não consegui me adaptar ao ritmo lento de O caminho de Swann e , um ano depois, eu começava e terminava de ler À sombra das raparigas em flor, este sim, lido de um fôlego estimulada por uma presença que eu esperava desvelar, aplicar-me carinhosamente em relação a alguém que nem mesmo fala comigo (e não destituída de razão). Woolf, Kant e Bachelard lido.
É quase como uma oportunidade de ver um antigo eu que não era um eu particularmente dito. Sinto como se fosse uma oportunidade de ler e selecionar, separar o joio do trigo e reescrever ou simplesmente descartar mesmo algumas coisas.
Ando saudosista das minhas expressões. Meu primeiro blog era um weblog do Terra, datado - começado em 2003. Creio que ele se perdeu nas redes online invisíveis. O blog do Terra não é mais o weblog e eu tenho alguns anos de escritos perdidos. É uma pena. Não guardei os registros e minhas infantilidades de adolescente todas lá.
Uma pena.
O que se perde, talvez seja necessário ser perdido. Talvez valha apenas aquilo que se consegue salvar.

sexta-feira, maio 27, 2011

O livro e eu.

Mayra vai publicar um livro. EU vou publicar um livro.
Já de começo, esbarro em algumas (im)possibilidades. Alguma pessoa, um revisor - carteira assinada de revisor que revise pra mim e assine a revisão (conheço algumas revisoras. só conheço, conhecidas. Ninguém que eu tenha a cara dura de pedir que revise assim, pra ontem, porque eu quero pra ontem).
A pequena biografia - Seja breve, Mayra. 150 caracteres. Esperaí, 150 caracteres é quase um tweet. Oi? Minha "biografia" - muitas aspas - num tweet? Não cabe não, Seu Editor!
Minha terapeuta me perguntou como me sinto com relação a isto e respondi: normal. Bem normal mesmo, porque, ainda não aconteceu. E, como disse a ela, tem o fator choque de realidade. Estou aqui, descabelada, uma e meia da manhã, desempregada, encafifando em como vou pagar minhas contas mês que vem sem pedir dinheiro emprestado, vim pra casa num ônibus cheio, com risadas de mulheres irritantes e andei uns cinco quarteirões até chegar à minha casinha.
Ou seja... zero glamour pra mim.
Querem minha biografia? Sou essa foto aí. Bebendo num pé - sujo na Zona Norte. Aliás, comecei a devanear (sempre, não é?) sobre isto. E SE os escritores realmente dissessem a "verdade" em suas biografias - tweets?
Olha... sobre mim, ia ser algo mais ou menos assim:

* Mayra Lopes do Couto: não tem onde cair morta mais ninguém diz.
* Mayra Lopes do Couto: aposta intelectual da sua geração da família, morre de medo do fracasso.
* Mayra Lopes do Couto: fudendo seus relacionamentos desde 1985.
*Mayra Lopes do Couto: escrevia seu Lopes com "z" na adolescência para soar mais espanhola.
*Mayra Lopes do Couto: mantém um relacionamento platônico com todos os homens de sua vida que não são seus parentes, porque, se não for um pouco apaixonada por eles, não se relaciona bem com homens.
*Mayra Lopes do Couto: como não é gostosa, resolveu ser a inteligente. Inteligência é relativo, pode ser meio lesada muitas vezes.
*Mayra Lopes do Couto: Menininha por fora, cauboy por dentro.
* Mayra Lopes do Couto: vodka on the rocks e cerveja barata.
*Mayra Lopes do Couto: lésbica anti- feminista. Não tem alergia e nem aversão a homens. Não descarta a possibilidade de um possível casamento hétero e filhos. Ok, sem filhos.
*Mayra Lopes do Couto: daqui a cinquenta anos será a velha dos gatos.

Tá bom?